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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

ARTIGO - DOCUMENTO AUDIOVISUAL E PATRIMÔNIO IMATERIAL

Gostaria de Parabenizar Dacles (colaborador Pifercussão) pela seleção do artigo no I encontro regional de estudos rurais    http://www.estudosrurais.com.br/pages/evento.php
PARABÉNS MOÇADA, FICO FELIZ EM VER QUE OUTRAS PESSOAS PODEM CONHECER O TRABALHO DO PIFERCUSSÃO E AS AÇÕES DE CONTRIBUIÇÃO PARA O PATRIMÔNIO IMATERIAL. 
PARABÉNS A TODOS

ASS:HERÁCITO DORNELLES




GT 13 - Festa: identidade, memória, cultura e sociabilidades

DOCUMENTO AUDIOVISUAL E PATRIMÔNIO IMATERIAL: O CASO DA
NOVENA DE SÃO JOÃO E DA BANDA DE PÍFANOS PIO X – SUMÉ-PB
Dacles Vágner da Silva - UEPB
Anna Carollyna de Bulhões Moreira - UEPB
Bruno Medeiros de Araújo – UFPB


RESUMO
A presença das bandas de pife (também conhecida por outras denominações, como Terno de
Zabumba, Banda Cabaçal, Esquenta mulher) constitui-se em tradição de longa data nas
manifestações culturais nordestinas. Enquanto bem cultural, a sua manutenção no espaçotempo
insere-se na complexa questão da preservação do patrimônio imaterial (ou intangível),
que vem ganhando destaque nos debates sócio-culturais e de órgãos de fomento a cultura,
como no caso do IPHAN e da UNESCO. Em face da necessidade de se ampliar o debate
sobre tal problemática, discute-se aqui a importância de documentos audiovisuais oriundos de
arquivos, que registram celebrações e formas de expressão de grupos de comunidades. Neste
artigo, a relevância destes registros será evidenciada a partir de seu caráter documental,
através da identificação das transformações ocorridas no ambiente da novena de São João da
comunidade rural Olho D’água Branco, no município de Sumé-PB. A dimensão musical da
novena será especialmente abordada, em função da importância capital que a Banda de
Pífanos Pio X exerce nesta manifestação festiva. Desta forma, será discutido o conceito de
patrimônio imaterial da UNESCO (no contexto da festividade estudada), o qual contempla
aspectos como transmissão cultural entre gerações, recriação comunitária dos saberes em
função das condições socioambientais e históricas, construção da identidade, entre outras
questões. Para este trabalho utilizamos o método de observação das fontes audiovisuais, bem
como o de pesquisa bibliográfica para o necessário embasamento teórico. Na visualização
dos registros audiovisuais, que somam vinte anos de testemunho, foram selecionados os anos
de 1991, 1996 e 2005/2006, em que se procurou examinar as possíveis mudanças ocorridas
nesta manifestação cultural, em termos estéticos, materiais, entre outros. O recorte
cronológico se justifica pela profunda alteração ocorrida na sociedade brasileira no período
estudado em termos socioeconômicos.
Palavras chave: banda de pífano; novena; documento audiovisual.

1. Introdução

As manifestações culturais são práticas, atividades e características de diferentes
grupos sociais, que permeiam e são permeadas pelos traços, ideologias, vivências,
experiências e/ou aprendizados que tais grupos carregam consigo. Na maioria das vezes é
impossível determinar suas origens, mas sua manutenção através dos tempos se dá partir de
mecanismos mais ou menos conhecidos – também denominados de “Resistência Inteligente”
(GUSMÃO e VON SIMSON, 1989 apud OLIVEIRA, 2007). Dentre eles podemos citar a
interação (in)formal com a expressão cultural, que produz um sentimento de pertença,
familiaridade; a oralidade, por meio da qual ocorre a transmissão e apropriação de saberes
pelo grupo; e a valorização da identidade cultural, que contribui para a perpetuação dos
elementos sócio-culturais que identifiquem o grupo.
Tais práticas, comumente, apresentam características bastante especificas de
determinados grupos, não sendo conhecidas, na maioria das vezes, pelos grupos que se
incluem nas “culturas de elite” – expressão utilizada para contrapor “cultura popular”
(SILVA, 2008). Nesse sentido há um generalizado desconhecimento acerca destas
manifestações culturais especificas, quer pela falta de acesso desses grupos a mecanismos de
comunicação em massa, quer pela dominação mercadológica de classes que impõe suas
formas de expressão – relegando as demais ao esquecimento, pela não-valorização de suas
atuações. Na ausência de políticas públicas de salvaguarda e fomento, estas manifestações
tendem a ser percebidas de forma “esmaecida” no contexto social.
Ao se tratar da diversidade de práticas culturais existentes, o Nordeste brasileiro se
notabiliza como importante celeiro de manifestações culturais, transparecendo como uma das
mais surpreendentes regiões geográficas do país. Entre tais manifestações se encontram o
maracatu (baque virado e baque solto), o reisado, boi-de-reis, cavalo-marinho, coco,
embolada, banda de pífanos (ou bandas cabaçais) – apenas para citarmos algumas.
Partindo de tais premissas, tomemos como exemplo a novena, que é uma das mais
usuais celebrações católicas no espaço brasileiro. Ela é encontrada em diversas comunidades
católicas, tanto urbanas como rurais, e em diferentes estratos sociais. No entanto, suas
manifestações ganham contornos específicos no contexto em que se realizam. É o caso da
novena aqui estudada, bastante característica por ser espaço de manifestação de outra
expressão artística muito comum no Nordeste: as bandas de pífano. Tal ocorrência só é
possível em face da identidade religiosa especifica de boa parte da comunidade, que congrega
numa mesma crença os diversos sujeitos, entre eles os integrantes das bandas de pífano.
Levando em conta este contexto de imbricação sócio-cultural, observou-se, através
de documentação audiovisual, a novena de São João do sítio Olho D’água Branco e a Banda
de Pífanos Pio X, ambas expressões/celebrações recorrentes na cidade de Sumé-PB.
Evidencia-se aqui, obviamente, a importância do documento videográfico (ou audiovisual),
como alternativa de conhecimento/análise de manifestações culturais populares. A
documentação audiovisual observada pertence ao arquivo pessoal do músico e pesquisador
Heráclito Dornelles, e foi adquirida de um ex-morador da região de Sumé, chamado Heleno
Quilomba. Agradecemos a gentileza do pesquisador em ceder seu material para a elaboração
deste trabalho.
É importante salientar que o presente trabalho foi elaborado sob uma perspectiva
interdisciplinar, utilizando de conceitos e perspectivas da Arquivologia, Ciências Sociais e
áreas afins. Sua fundamentação foi baseada em princípios do método qualitativo,
desenvolvido seu aporte teórico a partir da exploração da pesquisa bibliográfica, bem como da
pesquisa documental.

2. Patrimônio Imaterial: Discussões

A desmaterialização ou imaterialização dos bens e processos parece constituir
tendência irrefreável da modernidade. Em um momento histórico em que mesmo os bens
econômicos parecem moldar-se em um caráter extremamente intangível – com a
transformação de unidades monetárias em bits, que migram de um continente a outro a um
simples apertar de uma tecla – é bastante natural que nos questionemos sobre o impacto das
condições materiais do presente sobre as manifestações culturais, tradicionais ou não.
De fato, a questão parece ser pertinente: assim como os bens de natureza pecuniária ou
equivalente, outras categorias de bens – os bens culturais – vem sendo afetados por esta nova
dinâmica histórica, percebidos agora para além de sua dimensão material. Estes bens, em seu
conjunto, formam o que se convencionou chamar de patrimônio cultural. Antes estudados
como objetos oriundos de uma cultura, qualquer que fosse sua escala de existência (mundial,
nacional, regional, comunitária) o conceito de patrimônio cultural ganhou no século XX uma
ampliação qualitativa em seus termos de constituição, ao incluir em seu âmago a noção de
patrimônio imaterial.
Esta nuance teórica se explica naturalmente. Assim como o homem, todo conceito é
sempre fruto de seu tempo. Criadas as condições materiais, históricas e ideológicas
necessárias à sua emergência, ele se estrutura em um todo aparentemente coeso, delimitando
uma nova perspectiva sobre um dado objeto – e é neste momento mesmo em que sua
problematização se inicia. O conceito de patrimônio imaterial não escapa a regra: em termos
históricos, sua formalização é bastante recente, e não é de se espantar que tenha surgido no
século XX. A percepção da intangibilidade de certas manifestações sociais e da necessidade
de sua preservação quadra bem em um momento histórico crítico, em que “tudo o que é sólido
desmancha no ar”, em que os processos e produtos se manifestam num átimo, para em
seguida cederem lugar a um novo processo e produto.
Formalizado em 2003, o conceito de patrimônio imaterial da Unesco nasce sob o
respaldo institucional, aprovado multilateralmente pelos signatários da Convenção para
Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Na perspectiva deste instrumento legal,
conceitua-se patrimônio imaterial como
as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto
com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são
associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os
indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.
Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração,
é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu
ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um
sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para
promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. Para os
fins da presente Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio
cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais de
direitos humanos existentes e com os imperativos de respeito mútuo entre
comunidades, grupos e indivíduos, e do desenvolvimento sustentável.
(UNESCO, 2003, p. 4)
Uma série de discussões podem ser suscitadas do conceito acima exposto. Dentre
elas, a questão da abrangência explicativa proposta por este dispositivo da Unesco – chama
atenção a preocupação com a contextualização dinâmica do patrimônio imaterial, percebido
como conjunto de bens culturais que se renovam na diacronia e segundo a atuação dos agentes
sociais. Além disso, fica patente a preocupação dos signatários em incluir em sua
conceituação não somente aquilo que se reputa “imaterial”, mas também os elementos
materiais que fomalizam parcialmente, em sua concretude, os atos performativos das
manifestações culturais: objetos, instrumentos, artefatos, etc.
Assim, o patrimônio imaterial não deve ser compreendido em uma perspectiva radical,
como pura abstração - mas como uma expressão cultural dotada de valor, multidimensional
por natureza (isto é, concreta e abstrata) e passível de ser extinta. Justifica-se então
obviamente a necessidade de se tutelar institucionalmente este patrimônio, ainda que uma
série de questões estejam na ordem do dia para discussão dos cientistas sociais: por exemplo,
existiriam aspectos intrínsecos a determinadas manifestações culturais que as qualificariam
naturalmente para serem consideradas patrimônio imaterial – e portanto passíveis de
proteção? Dado o caráter extremamente dinâmico destas manifestações, haveria um critério
ótimo para se identificar se um determinado bem imaterial, após sucessivas transformações,
corresponde ao bem cultural que inicialmente se pretendia proteger? Ou ainda: é possível falar
em proteção ao patrimônio imaterial, quando as mudanças são de regra na expressão cultural
humana?
Em face da inexistência de um consenso – ou mesmo uma anuência majoritária –
sobre estas questões, acreditamos ser de bom alvitre proceder, na medida do possível, ao
registro etnográfico de manifestações culturais que potencialmente atendam aos critérios da
Unesco para o patrimônio imaterial – obviamente não em uma perspectiva mundial, mas local
e comunitária. Neste sentido, discutiremos a importância, necessidade e limitações da
documentação audiovisual como meio de registro destas manifestações, sob um viés
essencialmente arquivístico.

3. Documentos Audiovisuais

De acordo com o Dicionário de Terminologia Arquivística (2005, p. 65) os
documentos audiovisuais são definidos como “gênero documental integrado por documentos
que contêm imagens, fixas ou em movimento, e registros sonoros, como filmes(2) e fitas
videomagnéticas”. Edmondson complementa tal definição acrescentando alguns pontos
relevantes, caracterizadores do documento audiovisual
Documentos audiovisuais são obras incluindo imagens e/ou sons
reproduzíveis incorporados num suporte, cujo: - registro, transmissão,
percepção e compreensão normalmente requerem um dispositivo
tecnológico; -o conteúdo visual e/ou sonoro tem duração linear; -cujo
propósito é a comunicação daquele conteúdo, mais do que a utilização da
tecnologia para outros propósitos. (EDMONDSON, 1998, p.5).
É óbvio que inexiste um conceito preciso e completo de documento audiovisual, que
consiga abarcar todos os aspectos definidores de tal tipo de documento; isto fica manifesto
quando o debate se amplia no tocante à sua importância sócio-educacional. Ele é,
reconhecidamente, uma fonte informacional valiosa no âmbito dos estudos sócio-culturais, em
que pode cumprir relevante papel nas pesquisas etnográficas em geral.
É preciso ressaltar no entanto que o documento audiovisual, apesar de seus atributos
positivos, apresenta também certas limitações enquanto elemento de registro de dados –
temos, por exemplo, a questão do suporte onde a informação é registrada, suscetível de
degradações físicas e químicas pela ação do tempo. Registros videográficos são
documentados em suportes cuja composição lhes é bastante peculiar, sendo assim, necessárias
medidas que resguardem sua longevidade. Como afirma Bezerra em uma Recomendação
aprovada na 21ª Conferência Geral da UNESCO, em Belgrado, no ano de 1980,
O documento parte da idéia que as imagens em movimento são bastante
vulneráveis e que seu desaparecimento constitui um empobrecimento
irreversível do patrimônio cultural mundial. (BEZERRA, 2009, p.3)
Em uma perspectiva etnográfica, temos o problema da limitação informacional,
decorrente dos restritos ângulos de visão que o cinegrafista pode proporcionar e da própria
seleção ideológica que determina o que filmar, por quanto tempo e sob que foco. Assim, é
importante frisar que apesar de seu caráter informacional, o documento audiovisual não é
capaz de demonstrar as diversas relações (conflitos) inerentes a cada sujeito que compõem
grupos de cultura popular. Pode-se recorrer à afirmação de que o registro audiovisual não
transporta totalmente consigo as vivências, (inter-) subjetividades, experiências, as evocações
mnemônicas, dentre tantas outras sensações particulares do ser humano.
Apesar das limitações, as questões naturalmente se impõem : qual a importância dessa
documentação midiática para as manifestações culturais? De que forma esse tipo documental
poderá contribuir para a história/memória de um povo? E por que tal documentação pode ser
vista como um patrimônio cultural?
Podemos tentar responder tais indagações a partir do material colhido, e que registra
parte da história das novenas de São João, no município de Sumé/PB. Guardadas as devidas
especificidades e limitações, estes registros são importantes porque registram aspectos
singulares da novena, que não seriam encontrados em relatos escritos. Essa documentação, de
cunho social abrangente, além de resguardar parte da memória coletiva dos diversos grupos
sociais envolvidos, torna-se referencial informativo do patrimônio cultural da comunidade.
Não custa lembrar o artigo 216 da Constituição Federal de 1988, que afirma que
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileiro[...] (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988, grifo nosso)
Em face do exposto, traremos a seguir algumas considerações sobre as novenas e sua
realização especifica no municipio paraibano de Sumé.

4. Novena de São João e a Banda de Pífanos Pio X

A novena é uma prática religiosa católica, de ocorrência tradicional em diversas
comunidades (rurais e urbanas). Com duração de nove dias1 – daí o nome “novena”, do latim
novem – ela se constitui em orações consagradas a algum santo, em sinal de devoção (Santo
Antonio, São João, São Pedro, entre outros). Tal prática pode ser explicada, de acordo com
praticantes e estudiosos, através de escritos da Bíblia.
Entre a ascensão de Jesus ao céu e a descida do Espírito Santo, passaramse
nove dias. A comunidade cristã ficou reunida em torno de Maria, de
algumas mulheres e dos apóstolos. Foi a primeira novena cristã. Hoje, ainda
a repetimos todos os anos, orando, de modo especial, pela unidade dos
cristãos. É o padrão de todas as outras novenas. (CATÃO, 199?)
A novena de São João no sítio Olho D’água Branco, no município Sumé, Cariri
paraibano, é tida como importante celebração para a comunidade, pois ocorre todos os anos,
inserindo-se no calendário festivo local como importante evento cultural. Deste modo, a
novena exprime-se como prática enraizada nas crenças, costumes, vivências dos habitantes
locais; prática essa pautada na religiosidade, especificamente na fé católico-cristã. Tal
manifestação, segundo Jadir Pessoa, pode explicar-se a partir de um “catolicismo popular”:
1 Algumas comunidades diminuíram esse dia para 1(um), em geral, na véspera de comemoração ao dia santo.
Sua principal característica (a do catolicismo popular) é compreender um
grande número de símbolos e práticas, cuja organização e realização
independe da hierarquia católica. São práticas religiosas que se situam
também fora do calendário oficial e dos seus locais de culto. Mas isso não
significa um cisma ou uma negação da Igreja. Os sujeitos sociais definidos
por essas práticas guardam uma grande fidelidade à hierarquia e, em geral,
até mantêm uma relativa freqüência aos atos oficiais, especialmente aos
sacramentos (PESSOA, p. 214-215, 2008).
É nesse contexto de “readaptação” de práticas religiosas, que se insere a Banda de
Pífanos Pio X. Bandas de pífanos (e também as cabaçais2) são grupos musicais de cultura
popular característicos do Nordeste brasileiro, constituídos por músicos de origem popular. A
composição instrumental das bandas de pífanos segue certa regularidade: são constituídas de
dois pífanos e por instrumentos de percussão – a zabumba, um surdo, uma caixa, prato, e
dependendo da influência, até mesmo um pandeiro, triângulo e chocalho. A origem das
bandas de pífanos é controversa: Regina Cajazeira (2007) atribui três distintas origens –
indígenas, portuguesa e africanas. No entanto a maioria das tentativas de explicar a banda de
pífanos a partir de uma dessas três origens gera grandes contradições. Para efeito deste
trabalho, tomaremos como ponto norteador a expressão cultural atual como influenciada pelas
três vertentes citadas.
A Banda de Pífanos Pio X tem sua história contada através de dois dos seus principais
integrantes, Tio Sêlo e Mestre Zeca do Pife. Segundo Tio Sêlo, nascido em 1925, a trajetória
da banda inicia-se quando ele e seu irmão, Zé Chico (pai do Mestre Zeca do Pife), ainda
crianças, migram da cidade de Surubim-PE em direção à Sumé-PB, junto com família. A
partir de tal deslocamento, e com a adaptação ao local, teve início à formação do grupo, mais
conhecido a época como “terno” (de zabumba) na comunidade rural Sítio da Bananeira, que
mais tarde foi elevada a categoria de distrito, tomando o nome de Distrito Pio X. A banda à
época era conhecida como a “Banda de Zé Chico”. A partir da mudança de nome do sítio para
distrito, adotou-se não mais a designação antroponímica para o grupo, mas geográfica (isto é,
o nome do distrito).
Vale salientar que o avô dos irmãos Tio Sêlo e Zé Chico era também músico em
bandas de pífano, deixando inclusive como herança para os netos duas flautas (por sinal,
centenárias e de valor artístico relevante). Zeca, filho de Zé Chico, ao atingir determinada
idade (entre a adolescência e idade adulta) é integrado a “banda velha3”, tocando instrumentos
como o chocalho – instrumentos esses que servem de parâmetros de iniciação na banda. Logo
2 Expressão utilizada para referenciar grupos que usam pele de animais na composição física da percussão.
3 Expressão utilizada para referenciar a banda formada pela geração passada, anterior.
após um incidente, o qual resultou no desaparecimento de Zé Chico, a banda então passa a ser
liderada4 por Zeca, seu filho, transformando-o em Mestre Zeca do Pife. Atualmente, tio Sêlo,
pela idade avançada e por determinados motivos/predileções, continua a atuar como
coadjuvante, mas transparece principalmente como ator social nas manifestações de novena.

5. Análise videográfica

Para a pesquisa documental que baseou este estudo, valemo-nos da observação de
documentos videográficos que trazem registros da novena de São João em Sumé, dentro do
recorte cronológico que contempla os seguintes anos: 1991, 1997 e 2005/2006. Foram
observadas as transformações ocorridas na novena do Sitio Olho D’Água entre os anos
escolhidos, levando em consideração diversos aspectos: desde a estrutura da banda de pífanos
e ambientação da novena, até questões de comportamento e alterações físicas no local de tais
manifestações culturais. Dada as limitações deste trabalho, tais elementos serão descritos
sucintamente, sem a busca de hipóteses explicativas exaustivas.
No ano de 1991, temos uma formação típica da banda de pífanos no ambiente de
novena: duas flautas, uma zabumba, uma caixa, um prato, um surdo e um chocalho. Observase
uma separação de atribuições na novena, de acordo com o gênero: o canto religioso, na
novena observada, é exclusividade feminina. Fica evidente também uma diferença
comportamental dos participantes em função da idade: no registro videográfico, os mais
jovens conversam, enquanto os mais velhos mantém uma postura menos comunicativa. E é
deles que se percebe mais reverência ao altar da novena. A novena, enquanto manifestação
social, não está isenta de outras formas de expressão – inclusive política: é curioso que todos
os membros do grupo da banda de pífanos estão vestidos com camisas de um candidato.
A estética do altar é também reveladora de seu contexto existencial: ele é construído
com elementos bastante singulares. Uma guirlanda formada de muitas flores, frutas e mesmo
uma garrafa de refrigerante, da marca Coca-Cola, enfeitam o altar; vê-se também velas e um
quadro de São João. Além da alternância de músicas e rezas, na seqüência videográfica, há o
tradicional arremate5, conduzido em tom humorístico pelo pifeiro Zé Chico, líder da Banda
de Pífanos Pio X. Ao longo da celebração, é observado o revezamento dos membros da banda
de pífanos nos instrumentos de percussão, e raras vezes nas flautas, onde mesmo assim,
ocorre entre pai e filho, tio ou sobrinho. Ao fim da novena, que já se estende ao clarear do sol,
4 Como todo grupo social, a “banda velha” sofria de conflitos concernentes a determinados membros terem predileção por
determinadas coisas, em oposição aos mais jovens, principalmente a Zeca. Daí, os mais velhos deixarem de freqüentar a
banda, até pela idade, e determinadas limitações, e ocorreu a inserção de mais novos, ao qual se chama de “banda nova”.
5 Etapa da novena onde são leiloados pelo pifeiro diversos objetos/produtos.
ocorrem as diversas reverências: ao santo no qual se comemora a novena, as pessoas
importantes, e ao dono da casa, o qual cedeu o espaço físico para realização de tal evento.
No próximo registro visualizado, do ano de 1997, a novena já evidencia várias
transformações. Uma deles diz respeito à grande quantidade de pessoas presentes em tal
ambiente – há um claro aumento do número de participantes da novena. Observou-se também
a mudança estética do grupo, que adotou vestimentas mais formais6. Na formação
instrumental da época o chocalho não aparece. Em relação ao registro de 1991, percebem-se
menos focos de conversas dos participantes e uma maior atenção ao ritual da novena. A
Banda de Pífanos toca alternadamente músicas litúrgicas e músicas de compasso nitidamente
mais rápido. Há uma maior quantidade de crianças e jovens. Gradativamente a freqüência de
pessoas diminui na novena. Percebe-se então um papel fundamental da banda de pífanos no
ritual da novena: cabe a ela trazer novamente as pessoas para o interior do recinto, ao executar
músicas mais agitadas.
Em 2005/2006 as mudanças ocorridas são significativas, como a construção de uma
capela – num processo que parecer ser de institucionalização da novena –, além do “bater
palmas” no fim da apresentação do grupo, o que não ocorria em anos anteriores. A
instrumentação da banda sofre diversas alterações, com a introdução do pífano no lugar das
flautas com chave. Assim, Tio Sêlo começa a “perder” seu lugar de primeira voz para o seu
sobrinho, Mestre Zeca, que executa o pífano, e Tio Sêlo o acompanha, quase sem emitir som
de sua flauta. Dessa forma, a renovação transparece como fenômeno inerente na novena
estudada, onde se observa a saída dos membros mais velhos da banda e a inserção de
membros mais novos.

6. Conclusão

A partir do exposto, podemos deduzir que documentos audiovisuais são capazes de
revelar importantes fatos ocorridos no seio de determinado meio social e suas múltiplas
formas de expressão. É evidente que transparece como alternativa, e não como meio exclusivo
de salvaguarda audiovisual de manifestações culturais.
Assim, acreditamos que tais registros podem ser fundamentais enquanto instrumentos
de catalogação do patrimônio imaterial e de potencial fonte de informação, principalmente a
nível educativo.

7. Referências

6 Popularmente chamados de “roupas sociais”.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Distrito
Federal: Senado, 1988. Disponível em:

. Acesso em: 22 de

Agosto de 2010.
BEZERRA, Laura. A UNESCO e a preservação do patrimônio audiovisual. V Encontro de
Estudos Multidisciplinares em Cultura. Salvador: UFBA, 2009. Disponível em:

. Acesso em: 28 de Agosto de 2010.
CAJAZEIRA, Regina. Tradição e Modernidade: o perfil das bandas de pífano de
Marechal Deodoro. Maceió: EDUFAL, 2007.
CATÃO, Francisco. Origem das Novenas. Disponível em:

. Acesso em: 24 de
Agosto de 2010.
EDMONDSON, Ray e membros do AVAPIN. Uma filosofia dos arquivos audiovisuais.
Paris: UNESCO, 1998. Disponível em: < http://www.apbad.pt/Downloads/GT_Downloads/Audiovisuais.pdf>. Acesso em: 13 de
agosto de 2010.
MALVERDES, André. A lei do patrimônio imaterial e a cultura popular no Brasil: o caso
das paneleiras de barro em Goiabeiras Velha, Vitória do Espírito Santo. Vitória: 2007.
Disponível em: . Acesso em: 25 de agosto de 2010.

OLIVEIRA, Marcelo Pires de. A Folkcomunicação na transmissão dos saberes das
Figureiras de Taubaté. In: XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2007,
Santos. XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2007. Disponível em: < http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R2142-1.pdf>. Acesso em: 25 de
Agosto de 2010.
PESSOA, Jadir. Festas Juninas. In: SILVA, René Marc da Costa (Org.). Cultura Popular e
Educação – Salto para o Futuro. Brasília: MEC, 2008, 256 p.
SILVA, René Marc da Costa (Org.). Cultura Popular e Educação – Salto para o Futuro.
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UNESCO. Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Paris:
UNESCO, 2003. Disponível em: . Acesso em: 03 de Agosto de 2010.

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